Caros amigos
Partilho convosco, o trabalho final que apresentei na cadeira de "Questões Contemporâneas da Comunicação e da Cultura", no âmbito do Mestrado que estou a fazer no ISCTE.
Portugal nunca teve uma tradição de rádios comunitárias.
Contrariamente ao que se passou no resto da Europa, o espectro radiofónico português, sempre foi dominado pela rádio do Estado, a rádio da igreja católica, o Rádio Clube Português e meia dúzia de pequenas estações emissoras que se reuniam sob a designação de Emissores Associados de Lisboa.
Chegou a pensar-se, que com o aparecimento das”novas rádios”e a liberalização das frequências, pudessem aparecer este tipo de rádios, mas a tendência foi precisamente a contrária do esperado, uma mimetização dos modelos evidenciados e em muitos casos, criticados pela maioria.
A ideia de emissoras de radiodifusão alternativas e autónomas, desvinculadas dos padrões institucionais impostos pelo controle estatal, não é recente.
Embora o termo rádio livre esteja mais associado às emissoras que surgiram nos anos 70, o “fenómeno” existe desde o início da radiodifusão, mas foi precisamente na década de 70, associado aos movimentos libertários europeus, em especial em Itália e França, que a denominação ganhou um maior impulso político, desenvolvendo-se através de emissões locais de alcance reduzido.
Acredita-se que a primeira rádio de caracter livre tenha sido uma emissora sindical que surgiu na Áustria em 1925!
Aqui ao lado, a vizinha Espanha tem inúmeras rádios comunitárias, chegando ao cúmulo de na Catalunha, existirem projectos que são financiados pela própria “Junta Autónoma”.
Os mais românticos, dirão que este não é no entanto o modelo original da Rádio Comunitária, que este tem que ser livre, eventualmente à margem da lei por forma a poder disputar a seu belo prazer o espectro radiofónico e emitir nas frequências que desejar.
O Brasil tem muitos exemplos deste tipo de guerrilha radiofónica, com “quartéis” perfeitamente estabelecidos nos morros das favelas e partilhando em algumas horas do dia, as frequências das rádios oficiais e de grande audiência.
Confunde-se com alguma frequência as designações “Rádio Livre” e “Rádio Comunitária”.
Apesar de algumas querem que seja o mesmo, de facto a diferença é enorme.
Pela natureza do nome, a rádio comunitária, insere-se no espírito de comunhão entre os membros de uma determinada comunidade ou bairro, o seu espectro de difusão é extremamente limitado do ponto de vista estrutural, funciona com a “boa vontade” de alguns e assume-se como o ele de ligação entre todos os moradores do bairro, ao dar informações estritamente de interesse local e proporcionar debates sobre temas relacionados exclusivamente com a comunidade.
A “Rádio Comunitária Mania” por exemplo, surgiu no Brasil no bairro de Porto Canoa na região de Serra em 1995 e o processo adoptado para a difusão foi a do cabo, ou seja, os responsáveis pelo projecto, colocaram estrategicamente nas ruas do bairro, principalmente nas paragens de autocarro e áreas comerciais, pequenas colunas de som que ligadas entre si, amplificavam a emissão da rádio. Não havia frequência radiofónica e como tal não era possível ouvir a Rádio Mania, numa vulgar telefonia. A sua programação, visava fundamentalmente a divulgação de promoções do comércio local, entrevistas com moradores e debates sobre temas comunitários.
Em dois anos, o sucesso desta “rádio”, fez com que expandissem o seu “sinal” a dois bairros vizinhos!
Hoje em dia, esta rádio não só conquistou uma frequência, como adquiriu outras rádios, estando presente actualmente em 12 comunidades na região de Serra.
Relativamente à Rádio Livre, ou ao espírito libertário que lhe está associado, uma vez mais e pela natureza do nome, se depreende que tende a estar à margem da lei.
A Rádio Caroline, será porventura o exemplo mais conhecido, mas existem muitos outros exemplos em toda a Europa, sendo que Itália congrega o maior número delas.
Em Portugal, durante os anos que antecederam a legalização das chamadas rádio locais, existiram algumas tentativas de emissão das chamadas Rádios Livres. A constante guerra de frequências que se viveu então, levou a que muitas destas rádios se preocupassem mais na conquista do espaço de emissão, do que propriamente nos conteúdos a emitir, por isso mesmo a adesão da população nunca foi muita.
Para os defensores das Rádios Livres a difusão de publicidade é algo que não é sequer equacionável pois esta, deverá viver sempre livre do espectro comercial e da sua dependência.
O panorama actual é desolador.
Com uma ou outra excepção (ente elas a Rádio Manobras no Porto) Portugal será dos poucos países em que não há de facto uma rede de rádios comunitárias!
O apogeu das Web Rádios e o desenvolvimento tecnológico poderá alterar esta realidade em breve, mas até lá…
A Rádio Alcatifa, tenta de alguma forma, dar o pontapé de saída.
Uma rádio que não se move pela ditadura da “play list” em que os temas apresentados, surgem, porque significam de facto algo e não apenas porque estão nos tops de venda.
Uma rádio com prioridade à palavra e ao que ela significa enquanto elo de ligação entre as pessoas.
Uma rádio que devolva a “esfera pública” aos ouvintes, tornando-os protagonistas da “sua” rádio, confrontando-os com as suas próprias deficiências, provocando rupturas se for esse o caso.
Uma rádio irreverente e que simultaneamente consiga ainda surpreender, devolvendo ao “éter” a paixão e a emoção de outros tempos.
Mais do que uma homenagem aos “obreiros” da telefonia sem fios, a Rádio Alcatifa, pretende jogar com os sons e as palavras, criando uma atmosfera própria, onde a mensagem, por vezes muito subliminar, é uma constante.
A Rádio Alcatifa não é inocente, a sua militância é assumida desde o primeiro minuto, através do reconhecimento implícito de uma eventual falta de paixão. Reconciliando-se logo de seguida, num acto de redenção para com o seu público.
O acto de comunicar reflecte estas preocupações; a reconciliação com o receptor, a única forma da relação emissor – receptor existir e produzir frutos, conhecimento.
A não existência de caixas de som, como as da Rádio Mania, faz com que seja fácil mudar de frequência, sintonizar outra estação. No nosso dia a adia, este simples acto, repete-se vezes sem fim, sempre que a “emissão “ não nos agrada, ou seja, sempre que a comunicação seja deficiente.
Veja-se por exemplo o ciclo eleitoral, cada vez mais contestado por aqueles que não ganharam e que leva a que muitas vezes as eleições se antecipem em dois ou mais anos.
A comunicação está longe de estar perfeita e os intérpretes têm cada vez mais dificuldade em se expressar, criando verdadeiros anacronismo históricos.
A falta de trabalho, as dificuldades cada vez maiores para o conseguir, são também aqui tratados de uma forma, pouco ortodoxa.
A Rádio Alcatifa não é uma rádio óbvia, mas se obrigar a pensar, nem que seja por uma “pequena” hora e meia, já é meio caminho andado.
Conceito, edição, realização de entrevistas e recolha de sons: Fernando Neves
ISCTE, MCCTI – 2012 / 2013
“Questões Contemporâneas da Comunicação e da Cultura”