Passo todos os dias pela Av. Infante D. Henrique em Lisboa, e todos os dias olho para aquela parede!
Todos os dias dou comigo a questionar a oportunidade de tão obscena imagem!
Sou do tempo em que o MRPP, fazia os murais mais bonitos desta cidade. Muito antes dos actuais “grafitis”, os “meninos rabinos que pintavam paredes, davam largas à sua ambição revolucionária e exprimiam-se de uma forma completamente “out of the system”.
A cultura “Hip hop” trouxe outro tipo de abordagem a esta linguagem popular e actualmente escrever numa parede pode ser considerado como uma obra de arte!
Não é o caso deste mural na Infante D. Henrique. Não por culpa dos autores da pintura, mas porque os modelos que serviram de inspiração, não são nenhuma obra de arte, por isso…
Mas o facto da pintura ali estar, faz-me pensar, e mais do que isso, faz-me questionar, o percurso que fizemos até aqui.
Sinto que estamos já no final de um ciclo, não sei o que é que aí vem, mas sinto que este já era!!
Por isso mesmo, talvez seja boa ideia, relembrar alguns episódios da nossa história recente.
Mas antes de abrir o livro das memórias, quero reflectir algo convosco.
No início deste século (mais ano, menos ano), a banca portuguesa apaixonou os portugueses com a cantiga do crédito fácil, barato e acessível.
Foi amor à primeira vista. Os portugueses, independentemente da sua classe social, deixaram-se levar por estas sereias caprichosas e embarcaram na história da vida fácil. De repente já era possível comprar carro, casa, tv, telemóvel (dois ou três), consola de jogos para o filho, mota para a filha e descobrir as maravilhas de comer fora de casa ao fim-de-semana. No verão – ala que se faz tarde para Punta Cana!
A tudo isto a banca respondia: comprem, comprem, nós damos!
E tudo parecia correr bem. De repente as carteiras dos portugueses pareciam que andavam com um baralho da cartas lá dentro, tal era o volume provocado pelos cartões de crédito.
Lembram-se destes tempos? Ainda bem
Entretanto chegamos a 2007.
Reparem que pelo menos durante 7 anos, sete promissores anos, a banca portuguesa, teve que se financiar no estrangeiro, para alimentar o romance que mantinha com os portugueses, mas dizia eu que em 2007, estala a crise do “Subprime” nos Estados Unidos, os juros aumentam brutalmente e a Europa entra em sinal amarelo.
Convém lembrar que em 2007, Portugal registou um défice inferior a 3% (um dos mais baixos de toda a zona Euro) e a taxa de crescimento foi de 1,9%, o mais alto desde 2001!
Voltemos à nossa história.
Se bem se lembram, a coisa estava neste pé: a banca portuguesa pede emprestado lá fora, para emprestar cá dentro, na prática era isto!
Só que, a partir da crise do subprime, os juros que eram cobrados cá dentro começam ser inferiores aos que a banca tem que pagar lá fora, ou seja, o romance começa a ficar em risco!!
A meio de 2008, era já evidente que a economia europeia, toda ela alicerçada numa lógica de “comboiozinho” (eu empresto a ti, que por sua vez emprestas a outro e assim sucessivamente), não iria conseguir ultrapassar esta crise. As falências sucediam-se nos Estados Unidos, a banca inglesa entrava em colapso, a Islândia gritava por socorro e chegamos ao fim do ano com um novo problema em Portugal e na Europa, uma coisa chamada “Crédito mal parado”. A banca foi até onde podia ir, mas convenhamos que se afundou nas suas próprias palavras e começou a fechar as torneiras, mês após mês, após mês, sempre à espera de uma solução milagrosa que lhe possibilitasse volta ao altar, e a esperança de uma segunda lua-de-mel, mas isso nunca aconteceu.
No princípio de 2011, a banca já não tinha mais dinheiro para croquetes e não arranjava ninguém fora de portas que lhe emprestasse dinheiro para o táxi.
Correm a S. Bento em busca de socorro, mas a resposta não é a mais desejada, até que resolvem vir para a praça pública fazer um ultimato ao Governo de então. Judite de Sousa encarna o papel de “pau-de-cabeleira” e dá voz ao pedido de ajuda dos maiores banqueiros portugueses.
O pedido de ajuda externa não demorou uma semana!
O resto da história é conhecida de todos. O que talvez não saibam é que passados 18 meses, a banca portuguesa, voltou a conseguir financiamentos, para quê perguntam os meus amigos? e perguntam muito bem!
Pura e simplesmente para comprarem dívida publica portuguesa!!
O Governo tem emitido divida pública, com carácter regular. Tem feito gala em afirmar que os leilões têm corrido bem e que a procura excede a oferta. O que nunca disse é que os compradores dessa dívida publica, são…os bancos portugueses!!! Ou seja, a banca compra dinheiro lá fora, a juros razoáveis, para comprar cá dentro divida do Estado e depois fica sem dinheiro para apoiar as pequenas e médias empresas e os empresários que precisam de investimentos para suportarem o mercado de exportação.
ESTÃO A PERCEBER A LÓGICA DA COISA?
Penso que não preciso de falar do grande negócio que uma vez mais esta crise toda representa para a banca portuguesa, neste caso, um bom negócio para todos, menos para nós, está visto.
Outra face da história
Há pouco referi o facto de em 2007, o défice ser inferior a 3% e a taxa de crescimento ser a mais alta desde 2001, mas como todos nós sabemos, esta história não acabou bem, o que aconteceu então se estávamos a crescer economicamente e a diminuir a nossa dependência com o exterior sem necessidade de cortar os subsídios de férias e de Natal aos portugueses?
Vou tentar explicar.
Em 2008, a crise do subprime deu lugar a outra coisa chamada “crise da dívida soberana” que atingiu em cheio todos os países da zona euro. Os juros galopantes e a falta de crédito, provocavam falências em série e a taxa de desemprego aliada à dificuldade nos financiamentos externos, eram a mistura explosiva que estava em cima da mesa, pronta a ser servida a todos os europeus.
Eis senão quando, os Estados Membros resolvem aprovar uma série de medidas que visam conter o agravamento da crise e fazer face ao aumento descontrolado de desemprego.
Uma dessas medidas era precisamente, autorizar os Estados Membros a aumentar o seu défice, para que assim pudessem desenvolver mecanismos próprios de dinamização da economia, entre eles, o investimento em obras públicas.
Lembro-me perfeitamente de ouvir José Sócrates afirmar que iria aumentar o défice, para que pudessem ser realizados elevados investimentos, públicos, na recuperação do parque escolar e nas energias renováveis por exemplo ou mesmo em vias rodoviárias. Lembram-se de Manuela Ferreira Leite ter dito que estas medidas não davam emprego a nenhum português pois só os emigrantes do Leste é que iam trabalhar para lá? Ainda bem, pois é disso que estamos a falar!
Ora bem, chegados aqui, temos que:
A Europa autoriza e promove o aumento do défice ( como parte da solução)
A mesma Europa, passados dois anos, vem dizer que não pode ser, que o défice é excessivo e que temos que pedir dinheiro emprestado para o reduzir.
Estão a seguir o meu raciocínio?
Óptimo.
Pensem um bocadinho e tirem as vossas próprias conclusões. Não interessa encontrar os culpados, interessa encontrar soluções, mas também interessa não escamotear responsabilidades, principalmente daqueles que têm como missão governar Portugal.
A questão que se coloca é a seguinte:
Até quando é que a nossa história vai continuar a ser manipulada por meia dúzia de dentes cariados?
De uma vez por todas. Já chega!
Chegou a altura de arregaçarmos as mangas!
Disse!